DEIXE QUE A COMIDA SEJA A SUA
MEDICINA
Uma das mais
antigas, e ainda assim das com mais evolução, ciências sobre como viver bem, a
Ayurveda está ascendendo novamente, como uma fênix
Durante séculos, este era o aforismo com que as civilizações
viviam de forma feliz, pelo menos até à invenção da “medicina”. A ascensão da
medicina como corrente separada criou uma cisão no sistema de saúde baseado
predominantemente na comida. De repente, a comida e a medicina tornaram-se duas
entidades separadas. Os recursos eram bifurcados. Os medicamentos não podiam
ser consumidos enquanto alimentos, e os alimentos significavam materiais com
fraca potência, mas comestíveis.
A Índia, no entanto, permaneceu uma exceção a esta regra,
pois a comida e a medicina mantiveram-se unidas e eram frequentemente usadas
para melhorar a digestão e a capacidade de absorção do corpo humano, e a sua
longevidade. Baseada no conceito de equilibrar os seus três doshas (elementos)
– vata, pitta e kapha – a Ayurveda era, no seu tempo, a base na qual a cultura
e os hábitos alimentares da sociedade estavam assentes. A comida da época não
era só uma questão de sustento, mas da manutenção do equilíbrio da constituição
energética do corpo. Os hábitos alimentares da época eram diferentes das visões
modernas de uma dieta equilibrada, que incitam todos a comer os mesmos grupos
alimentares básicos (carne, laticínios, fruta, cereais e vegetais) a atingir os
mesmos níveis “padrão” de vitaminas, minerais e micronutrientes no corpo.
A Ayurveda, por outro lado, que recusou esta abordagem por
afirmar que “era” insuficientemente
individualizada”, determinava a dieta de um indivíduo baseada no que
equilibrava os três doshas do corpo. Curiosamente, é a mesma abordagem que esta
ciência antiga segue quando apresenta um plano alimentar ou quando combate uma
doença hoje em dia. A Ayurveda, por exemplo, ao contrário da medicina
tradicional para tratar dores de estômago, irá determinar a causa e depois
sugerir uma composição alimentar que irá ajudar a eliminar o problema, enquanto
fortalece o sistema. Apesar de este método não produzir a “gratificação
instantânea” da medicina convencional, é um tratamento eficaz para a maioria
das doenças. Agnivesa, que data a presença da Ayurveda na Índia a partir de 100
A.C., apresenta um relato detalhado sobre a forma como a Ayurveda encarava a
comida e como era capaz de a categorizar para encaixar num biossistema
individual. De fato, o livro menciona a utilização de especiarias como pimenta,
raiz de gengibre, cravo e flores para tratar certas doenças.
Um segundo livro escrito em 200 A.C., Charaka Samhita,
menciona a existência de técnicas como escaldar, grelhar, coalhar e saltear,
que eram utilizadas para tornar a comida saborosa, ao mesmo tempo que mantinham
os seus nutrientes. Alimentos como coalhada, paneer e Dal (legumes) existiam na
dieta indiana já em 200 A.C.. O painço era já um ingrediente conhecido e
frequentemente utilizado em dietas de desintoxicação como kitchari
(originalmente Kichdi – arroz cozido e legumes). O óleo vegetal e a gordura de
laticínios como ghee (manteiga clarificada) do leite de vaca não eram encarados
como alimentos gordos, mas como nutrientes eficazes para ajudar a criar
imunidade. O Ghee era essencial para arrefecer o corpo que assimilava boas
propriedades da comida com que estava misturada e as adicionava sem perder as
suas propriedades. É por esse motivo que a maioria dos textos ayurvédicos usava
o ghee como forma de cozinhar/misturar.
O Chyavanprash é um dos melhores exemplos do sistema de
sáude ayurvédico e de como usava a
combinação de diferentes ervas, planas, raízes e alimentos para melhorar a
saúde. O emparelhamento alimentar era efetuado baseado em cinco princípios de
bem-estar – sabor (rasa), propriedade (guna), potência (virya), efeito
metabólico (vipak) e potência especial (prabhava). Isto era importante visto
que qualquer combinação inferior poderia prejudicar o sistema do corpo que,
mesmo hoje em dia, é considerado uma rede de tecidos. É por esse motivo que a
Ayurveda aconselha que a comida cozinhada seja consumida dentro de uma hora
após a sua preparação e considera os restos de comida, ou comida já velha,
tamsik aahar, o que causa estragos máximos ao corpo.
A Ayurveda trabalhou no princípio da saúde, que avalia cada
alimento com base no sabor (rasa), numa energia de cozedura ou de refrigeração
(virya) e no efeito pós-digestivo (vipaka). E, dessa forma, foi capaz de
produzir uma lista de combinações boas e más, que afetavam o corpo, A ciência
das diferentes enzimas alimentares que necessitavam das suas próprias enzimas
digestivas era bem conhecida já na altura. Era sabido, por exemplo, que comer
bananas com leite podia diminuir o agni (fogo), mudar a flora intestinal que
produz toxinas e podia causar congestão nasal, constipação, tosse e alergias. Um
fato que a medicina convencional descobriu apenas há algumas décadas!
CIÊNCIA DO SABOR
De acordo com a Ayurveda, o sistema de sabor do corpo ajuda
a determinar alimentos bons ou maus para ele.
O sabor doce dá força aos tecidos, é bom como nutrição e
harmoniza a mente. Os produtos com sabor doce não são apenas os que têm açúcar,
mas também incluem o arroz, o ghee e as frutas. A comida doce é de digestão
pesada.
O sabor azedo estimula os fogos e as enzimas e a comida
amarga são de digestão fácil e boas para o coração. O vinagre e o ácido cítrico
não fazem parte dessa lista.
O sabor salgado estimula a digestão, limpa a obstrução dos
canais do corpo, provoca o suor e aumenta o poder da digestão mas tem tendência
a esgotar as secreções reprodutoras. Um excesso de sal provoca cabelos brancos
e rugas.
Os sabores pungentes/picantes como a cebola, pimenta e o
alho, ajudam a digestão, melhoram o metabolismo e dilatam os canais do corpo.
As comidas com sabor amargo eliminam os elementos bacteriais, purificam o
sangue e são de digestão leve.
As substâncias que têm um sabor predominantemente
adstringente como as maçãs, a maioria
dos vegetais verdes e a comida com taninos, como chá, possuem propriedades para
curar úlceras e feridas. Elas secam a umidade e a gordura no corpo e funcionam
como absorventes de água.
Texto: Madhulika Dash